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Crônicas & Artigos

em 02/06/15

Seguro e boa fé

Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça

A operação de seguro está baseada integralmente no instituo da boa fé. Sem boa fé o contrato não se mantém. Não é por outra razão que o Código Civil ao tratar do contrato de seguro tem artigo específico, exigindo a boa fé das partes. Ou seja, a boa fé é exigida expressamente duas vezes tanto do segurado, como do segurador.

Este é um ponto que necessita ser repetido à exaustão: a boa fé no contrato de seguro é uma exigência concreta e impositiva para o segurado e para o segurador.

Há quem considere que a dupla exigência da boa fé determine que a boa fé aplicável ao contrato de seguro é a boa fé objetiva. Mas, como precisamente colocado pelo Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, o contrato de seguro comporta os dois conceitos de boa fé, a boa fé subjetiva e a boa fé objetiva, devendo ambas serem aplicadas isoladamente ou em conjunto, conforme o exija a situação concreta.

Está certo o Ministro. Não há razão para limitar a boa fé aplicável às relações de seguros, ainda mais quando se trata do único contrato do Código Civil em que além da norma geral de exigência de boa fé, há também artigo específico, reforçando a diretriz impositiva para todos os contratos.

Mas o que faz da boa fé alicerce para todo o contrato de seguro? A própria essência da avença. O contrato de seguro é um contrato altamente peculiar, com características que não são encontráveis na maioria dos demais contratos.

A começar pela prestação e pela contraprestação incidentes, o contrato de seguro se diferencia em muito dos demais contratos empresariais.

No contrato de seguro a prestação é o pagamento do prêmio pelo segurado e a contraprestação a aceitação do risco, o que é completamente diferente do pagamento da indenização pela seguradora.

A indenização é sempre uma variável incerta, tanto quanto a sua ocorrência, como quanto ao seu valor.

Ao aceitar um seguro, a seguradora assume a obrigação de indenizar os danos decorrentes de eventos ocorridos durante o prazo de cobertura da apólice, previamente descritos no contrato.

A seguradora ao aceitar o risco, não aceita uma conta em aberto, na qual toda e qualquer ocorrência está coberta. Não, a seguradora aceita obrigação claramente definida no contrato, complementada por exclusões gerais e particulares, bens não cobertos e situações de perda de direito.

Daí a boa fé do segurado ser peça fundamental para o equilíbrio do funcionamento da seguradora. A operação é baseada no mutualismo, ou seja, na constituição de um fundo comum, composto pelas contribuições proporcionais de todos os segurados, destinado a pagar as indenizações dos eventos cobertos, custear a operação e remunerar os acionistas.

Se o segurado presta informação incompleta ou não verdadeira a respeito do risco que pretende segurar, a seguradora cobra menos do que o correto para o equilíbrio do mútuo, comprometendo a capacidade de fazer frente aos sinistros, bem como encarecendo os seguros dos demais segurados, que em algum momento serão chamados para completar o necessário para reequilibrar o fundo, em função do pagamento a menor, efetuado por quem prestou as informações incorretas.

Neste sentido, a lei é rigorosa e desobriga a seguradora de pagar a indenização quando comprovar que o risco do segurado foi precificado a menor em função das informações incorretas que lhe foram prestadas.

Mas a boa fé da seguradora também é exigida pela lei. Ao assumir a obrigação de efetuar um pagamento futuro e aleatório, no caso da ocorrência de uma determinada situação, a seguradora vende confiança. A garantia do pagamento da indenização é apenas o papel em que está redigido o contrato. Assim visando minimizar a possibilidade de ocorrências como esta, a seguradora, para simplesmente funcionar, é obrigada a constituir reservas capazes de fazer frente aos diferentes momentos de cada segurado, garantindo a capacidade de honrar seus compromissos e pagar corretamente o que é direito de cada segurado.

Ao deixar a boa fé de lado e alterar o peso da relação pelo não adimplemento de suas obrigações, a seguradora presta um enorme desserviço para a sociedade, mas mais importante, abre flanco para responder por perdas e danos extracontratuais, além do pagamento corrigido e atualizado da indenização devida e originalmente negada.

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