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Crônicas & Artigos

em 21/04/14

Culpa e dolo

Originalmente publicado no jornal Estado de S.Paulo, em 21/04/2014
por Antonio Penteado Mendonça

A ciência jurídica é uma das principais ciências humanas. Como toda ciência social ela não é exata e evolui naturalmente ao longo do tempo, resultado do desenvolvimento da nação a que atende. Mas se não há um resultado cientificamente definitivo – veja-se as mudanças por que passou o processo do Mensalão – a ciência do direito está baseada em conceitos e princípios sólidos, com definições claras, precisas e exatas, aplicáveis aos casos concretos, graças à lei, à jurisprudência e à doutrina.

Para o setor de seguros as variáveis jurídicas e sua evolução são da máxima importância. A mudança da jurisprudência pode ter consequências devastadoras para o resultado de uma companhia que não atente para o que acontece nas cortes de justiça. Vale lembrar que no Brasil estas cortes são estaduais e que seu posicionamento não é igual, ou mesmo semelhante, o que pode levar a julgamentos com decisões quase que opostas sobre a mesma matéria.

Também vale não esquecer que o Brasil tem um dos maiores cipoais legais do mundo. Temos leis para tudo e mais alguma coisa, quando não leis que se sobrepõem, tratando do mesmo assunto de maneira diferente. E temos Medidas Provisórias baixadas para regular determinado assunto, que, em teoria, deveria ser urgente, mas que trazem em seu bojo matérias completamente estranhas ao seu objetivo, que acabam aprovadas e transformadas em lei sem que ninguém preste muita atenção.

Como seguro é um contrato que regula a obrigação de indenizar uma perda em função de um evento pré-determinado, com efeitos nas relações socioeconômicas, a atividade fica permanentemente na linha de tiro dos impactos jurídicos em seus resultados.

É verdade que o impacto no setor é primordialmente de ordem financeira e que atinge essencialmente a composição do mútuo gerenciado pela seguradora, o que faz possível a sua neutralização em espaço relativamente curto.

É, acima de tudo, uma questão de precificação dos seguros. A mudança da lei ou da jurisprudência encarece a operação porque aumenta o número e o valor das indenizações? Perfeitamente. Cabe à seguradora avaliar o novo custo e realinhar seus preços para que o impacto seja assimilado e o equilíbrio do mútuo seja recomposto.

Em outras palavras, quem paga o preço da incerteza jurídica nacional é o cidadão brasileiro, que tem este custo repassado para todos os produtos e serviços afetados por ele, e não apenas as apólices de seguros.

Mas se existe a possibilidade da minimização do impacto do custo jurídico criado pelas leis e pela jurisprudência, existe um outro lado que também pode causar danos de monta ao caixa da seguradora, com uma agravante: nestes casos não há como recompor o preço para minimizar o aumento do custo, já que este decorre da aplicação incorreta da lei, da jurisprudência e do clausulado das apólices.

Um exemplo simples de ser compreendido é a diferença entre culpa e dolo. Culpa é ação involuntária que causa dano a alguém. Dolo é a ação deliberadamente adotada para causar dano a alguém.
Na culpa não há intenção de causar o dano. No dolo essa intenção é parte fundamental da ação.

É assim que, para o direito, a culpa se presume, enquanto o dolo se prova. Não há dolo hipotético ou teórico. Ação criminosa tem que ser provada. A lei não admite a possibilidade da presunção do ato doloso. Ou ele existe ou não existe.

Esta premissa invariavelmente se choca com correspondências enviadas pelas seguradoras ou seus prepostos para os segurados.

Ao contrário do que muita gente imagina, o antônimo da boa-fé não é a má-fé. Má-fé implica na intenção de causar dano valendo-se de ardil ilegal, ou seja, implica num movimento doloso, ao passo que a quebra da boa-fé exigida pelo contrato de seguro não é necessariamente uma intenção criminosa de prejudicar a seguradora.

Assim, para que o uso inapropriado de conceitos jurídicos não agrave o resultado e a imagem das seguradoras, é fundamental que elas tenham claro que a imensa maioria dos segurados são pessoas de boa-fé e que nem sempre uma determinada ação implica num ato doloso ou na tentativa de receber o que não é devido.

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