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Crônicas & Artigos

em 01/01/16

Crise e seguro

Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça

Algumas atividades econômicas florescem em meio às crises. Não é o caso do setor de seguros. Todas as crises são nocivas para ele, independentemente da natureza e da gravidade. Nem poderia ser diferente, uma vez que, nas crises, até por questão de sobrevivência, há o afrouxamento do instituto da boa fé. Como a boa fé é requisito essencial para o contrato de seguro, sem ela torna-se impossível o desenvolvimento da atividade e isso começa a cobrar seu preço.

O setor de seguros tem natureza de apoio, quer dizer, não é um setor de linha de frente, ao contrário, ele caminha na retaguarda, garantindo as ações de quem vai adiante, abrindo novos campos e fazendo negócios. Assim, uma de suas características é ser dos últimos segmentos a sentirem os efeitos da crise.

Isso acontece porque os negócios fechados antes ou no começo da crise geram seguros que continuarão a ser pagos depois que a atividade de frente já sente os efeitos da contração gerada pela desaceleração econômica. Da mesma forma, o setor de seguros é o último a sentir os efeitos da retomada da economia e do novo surto de desenvolvimento. E as razões são as mesmas: enquanto a linha de frente recebe pelas novas vendas quase que ao mesmo tempo em que recuperação econômica se dá, o setor de seguros só receberá depois de um tempo, necessário para a contratação das novas apólices. É este descasamento que permitiu que o setor apresentasse um desempenho melhor do que várias outras atividades ao longo de 2015. Mesmo assim, se descontarmos a inflação, veremos que o crescimento real como um todo foi negativo.

Os verdadeiros obstáculos devem aparecer em 2016. É evidente que a maioria dos proprietários de veículos com até quatro anos continuarão a fazer seus seguros, parte porque o bem está financiado e parte porque sabe a importância do instituto para proteção de um bem que tem alto risco de perda total. Também é certo que várias empresas continuarão a contratar seguros para proteção de seu patrimônio. Como é certo que entre as últimas despesas a serem cortadas pelas famílias está a mensalidade do plano de saúde.

O problema é que parte destes seguros terá uma redução de cobertura, seja na abrangência das cláusulas, seja nos valores segurados. E a contratação de seguros novos está deprimida. Esta soma deve ter como consequência a redução do faturamento, sem que do outro lado haja a redução proporcional dos sinistros.

A crise brasileira tem como principal componente não ser política ou econômica. Ela é essencialmente uma crise moral. A herança dos últimos 12 anos de governo federal foi o esgarçamento da malha ética da nação, com todas as consequências possíveis cobrando seu preço, entre elas, a crise econômica e a crise política, a primeira representada pela inflação acima de dois dígitos e a segunda, pelos processos de impeachment da Presidente e de cassação do Presidente da Câmara de Deputados.

O lado muito ruim para o setor de seguros, fora todas as consequências da perda do grau de investimento pelo país, é que a queda nos parâmetros morais leva ao aumento das ações ilegais, a começar pelas fraudes de ocasião, sonegação de impostos, caixa dois, etc., até o aumento das ações do crime organizado, incentivado pela queda nos investimentos em polícia e medidas de segurança, decorrentes da redução da arrecadação de impostos.

Além disso, toda crise leva ao relaxamento das medidas de manutenção e prevenção de acidentes, desde as revisões periódicas dos automóveis até a redução dos programas de manutenção das grandes plantas industriais.

Como se não bastasse, as operadoras de planos de saúde privados estão enfrentando uma situação peculiar, com forte movimento de redução do nível dos planos, o que diminui a mensalidade, mas não tem impacto significativo nas despesas suportadas pelas operadoras, pelo menos durante um ano.

O aumento dos sinistros significa o aumento do contencioso entre segurados e seguradoras e, consequentemente, aumento de trabalho para os advogados. Significa também maior interferência do Judiciário nas relações de seguros. É aí que é preciso cuidado. Nas crises, tendemos a ficar com pena do lado mais fraco, o que não significa que o segurado tenha que receber mais do que seu real direito. Fazer isso seria prejudicar outros segurados, que pagariam a conta da generosidade feita com chapéu alheio.

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