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Crônicas & Artigos

em 07/03/16

Baixa penetração

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

Não há como negar, o seguro tem baixa penetração na sociedade brasileira. Seria fácil dizer que as seguradoras nem sempre oferecem o que a sociedade deseja. Mas o problema é bem mais complexo do que isso.

Ao contrário de países onde a solidariedade é forte, como os Estados Unidos, Japão e Alemanha, no Brasil a ideia da divisão das tarefas e responsabilidades bate de frente com a “Lei de Gerson”, onde o importante é levar vantagem em tudo e, por isso, cada um acaba puxando a brasa para a sua sardinha, seja na vida pessoal, social ou profissional.

O princípio basilar da operação de seguro é a repartição dos prejuízos sofridos por alguns entre todos os componentes do grupo. Isso se dá através da constituição de um fundo integralizado, proporcionalmente ao risco de cada um, por todos os participantes. Baseado em cálculos estatísticos e atuariais, o fundo deve ter recursos para fazer frente aos eventos danosos que atingem os segurados, bem como ao funcionamento da seguradora. É dele que saem os recursos necessários ao pagamento das indenizações.

Ou seja, todos os participantes do grupo, inclusive o segurado que sofre a perda, pagam, proporcionalmente ao risco de cada um, os prejuízos indenizados pela seguradora. É a solidariedade a serviço da preservação da sociedade, de sua riqueza e capacidade de atuação.

Ora, se um determinado povo não tem o hábito de se auxiliar mutuamente, como esperar dele que crie ou participe de um grupo destinado a dividir entre seus integrantes perdas sofridas por apenas alguns deles e nunca pela totalidade? Que vantagem “Mané” leva nessa? Se não acontecer um sinistro com ele, não ganha nada, mas paga os outros. Isso vai na contramão da “Lei de Gerson”, isto é, quando o conceito é compreendido, o que, na maioria das vezes, não acontece, pelo menos com plena consciência.

É verdade que uma parte importante da população brasileira não tem contato com qualquer tipo de transação comercial um pouco mais sofisticada. Essa parcela não percebe ao menos que a compra de uma cerveja num botequim é um contrato que gera direitos e obrigações recíprocas. Imagine pretender que entendam como funciona e o que está garantido por um contrato que se resume a algumas folhas de papel, no qual se paga na frente, para ter a promessa do pagamento de uma indenização futura, no caso de acontecer alguma coisa que gere um determinado prejuízo, de uma determinada maneira. É muito condicional para quem não tem ao menos a certeza do pão nosso de cada dia.

Essa é a outra explicação comum, mas ela também não expõe toda a verdade. Parte importante das classes mais ricas, com educação suficiente para entender como funciona um contrato de seguro, também não contrata as apólices à sua disposição. E não é questão de falta de dinheiro ou de percepção da existência do risco.

É a velha máxima que reconhece a existência do potencial de risco, mas que parte do princípio que “não vai acontecer comigo”, até o momento em que acontece, mas aí já é tarde.
Quantas pessoas têm consciência de que as chuvas de verão são capazes de causar danos das mais diversas naturezas, a começar pela sobrecarga da rede elétrica até a queda de uma árvore em cima da casa? No entanto, mais de 18 milhões de imóveis seguráveis pelos padrões brasileiros não têm qualquer tipo de seguro. Nem mesmo o de incêndio, que custa muito mais barato do que o seguro de um automóvel.

Por que o brasileiro contrata seguro de veículos? Porque sabe que o risco de acontecer um acidente ou do carro ser roubado é grande. Mas ele não faz a conta de que, se não acontecer um sinistro, ele estará pagando, proporcionalmente, as indenizações dos outros segurados. O que o move é a certeza de que, se acontecer alguma coisa, a seguradora pagará a indenização.

Isto não tem nada a ver com condição econômica ou social. É apenas uma forma egoísta de ver a vida. A mesma que faz com que alguns avancem o sinal e assaltem a saúde pública ou as verbas destinadas à educação. A verdade é que ser esperto custa caro, principalmente para os outros.

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