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Crônicas & Artigos

em 22/09/14

Ainda sobre o DPVAT

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça

Na semana passada discuti o absurdo representado por um Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados, propondo modificar o seguro obrigatório de veículos terrestres, o DPVAT. A ideia é que ele deixe de ser obrigatório. Ou seja, contrata quem quiser, não contrata quem não quiser.

Na base da ideia do deputado que apresenta o Projeto de Lei está o fato de que o não pagamento do seguro deixa o veículo em situação irregular, impedindo sua transferência no caso de venda. O argumento é esse. Para o deputado tanto faz se a maioria das famílias das 60 mil mortes anuais no trânsito brasileiro ficará sem receber qualquer tipo de socorro.

Ele não está preocupado ou não se mostrou interessado em saber para que seve e como funciona o DPVAT. O bacana é permitir a venda de veículos com documentação irregular e a forma mais fácil de fazer isso é modificar a lei para que os maus pagadores, que, curiosamente, também estão entre os grandes causadores de acidentes, se livrem da obrigação de pagar o seguro obrigatório.

Deixando de ser obrigatório, o DPVAT perde sua razão de ser. Fica mais fácil contratar o seguro de responsabilidade civil facultativa de veículos, que faz parte da apólice de seguro de automóveis e oferece cobertura para danos materiais, danos corporais e danos morais, com a vantagem do segurado poder determinar o capital de cada garantia, ao contrário do DPVAT, que tem capital por vítima e tipo de evento pré-definido.

Além disso, a pergunta que realmente cabe é simples: se o cidadão não paga nem o seguro obrigatório, que o deixa com a documentação do veículo irregular em caso de não pagamento, será que alguém acredita que essa pessoa contratará um seguro facultativo? É óbvio que não. Como diria Nelson Rodrigues, é o “óbvio ululante”.

Mas se tem gente que não se preocupa ou não atina com o que significa 60 mil mortos e mais de 500 mil pessoas permanentemente inválidas por ano, quem sabe a ordem de grandeza em dinheiro consiga sensibilizar quem vai votar o Projeto de Lei.

De acordo com o Presidente da Seguradora Líder do DPVAT, Ricardo Xavier, em 2013 o seguro obrigatório de veículos pagou 3,2 bilhões de reais em indenizações para vítimas dos acidentes de trânsito e transferiu outros 4 bilhões de reais para o SUS e o DENATRAN, conforme determina a normatização do seguro.

O dado trágico é que para 2014 a estimativa da seguradora é que as indenizações atinjam o patamar dos 3,8 bilhões de reais, enquanto os repasses devem se situar na casa dos 4,15 bilhões de reais.

Tanto o que foi pago no ano passado, como o que deve ser pago neste ano é muito dinheiro em qualquer lugar do mundo. Apenas para quantificar, as indenizações, na casa de 3,8 bilhões de reais, equivalem a 1,6 bilhões de dólares. E os repasses, a 1,8 bilhões de dólares.

Aprovar este projeto é condenar milhares de famílias a conviver com a miséria. A maior parte das indenizações do DPVAT tem origem em acidentes de moto, a maioria deles acontecidos nos estados do nordeste. Ou seja, a maior parte das indenizações é destinada a socorrer pessoas e famílias de baixa renda, em primeiro lugar no nordeste e depois em todo o território nacional. Hoje, mesmo com a inadimplência do pagamento pelos carros mais velhos, o seguro minimiza uma situação crítica, permitindo investimentos em outras áreas do atendimento à saúde.

A consequência da transformação do seguro em um produto facultativo é a certeza da sua não contratação pela maioria da população. Parte dos mais ricos porque tem o seguro facultativo e parte dos mais pobres porque já não paga, mesmo com o DPVAT sendo obrigatório.

Levando em conta a sinistralidade deste seguro, fica evidente que quem vai morrer com a conta é o governo, ou seja, a sociedade. Mas, mais grave do que isso, a sociedade vai ser penalizada também na queda da qualidade do atendimento da rede de saúde pública, que deixará de receber mais de 4 bilhões de reais por ano, e pela sangria da Previdência Social, que terá que custear diretamente as vítimas dos acidentes e seus beneficiários.

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